
Como elaborar que o mundo das pessoas de quem a maior parte de nós fugiria a sete pés visto a sua degradação física, é tão diferente do nosso, esquecendo por isso que os sentimentos que possuem são os mesmos que os meus/nossos?!
O amor, a tristeza, a alegria, o desejo, a dor, a angústia, o conforto, a protecção - como pude bloquear estes sentimentos, descrever apenas factos de vidas que também podiam ser a minha?! Eu também lavo os dentes, tomo banho, almoço, janto, jogo ás cartas,... - todas estas coisas quotidianas foram apenas o que descrevi quando me perguntaram o que tinha sentido aquando do conhecimento do Francisco, dos Pedros, do José, do Paulo, do Nuno... e à reformulação da questão respondi "não sei o que senti!"... que mentira!
Ao fim do dia, depois de os ter conhecido, até chegar a casa vim o caminho todo a pensar como alguém consegue sobreviver assim - sobreviver, porque a maior parte deles não vive.
As histórias dos consumos de droga, a degradação humana mesmo à minha frente, e eu numa postura de observação, fria, rígida - como se tudo se passasse num ecrã de uma qualquer televisão, e eu pensasse "isto é mesmo verdade", mas não quisesse interiorizar. Decidi por isso recalcar todas as minhas emoções, não pensar mais nisso.
Como lidar com a raiva de os ver assim? Maltratados (por escolha deles), a sofrer, e saber que só os veria durante aquela semana, que depois não ia saber que rumo iam tomar?!... a frustração de ter expectativas do meu contacto com eles, de eles serem participativos, de eles quererem lutar e recuperarem...
Não falei com ninguém no dia que os conheci, até que falei com quem sabe que estas coisas do sentir tem que sair cá para fora, para respirar, tomarem corpo e consciência, para que saiba as minhas limitações...
Este pensar sobre as emoções fez-me reconhecer o que senti, que não posso guardar estas coisas, que depois de elaboradas aliviam, ficam cá dentro e têm ressonância... não se perdem, tornam-se vividas e ajudam-nos a lidar com a angústia... com a angústia do sentir...
Pessoa tinha razão quando diz que "o mundo é de quem não sente", porque a essas pessoas falta a consciência dos seus sentimentos, mas quando as defesas são "desmascaradas" o eu vem ao de cima, as lágrimas caem e pouco depois os sorrisos revelam-se...
Sem comentários:
Enviar um comentário