terça-feira, julho 01, 2008

Le Cirque Invisible: Victoria Chaplin e Jean-Baptiste Thierée

Maravilhoso. Transporta-nos para as nossas vivências e fantasias de criança, transpondo o tempo físico em que nos encontramos, onde tudo é sonho e construção de desejos.
Fantástico. As luzes, os sons, os cenários, as personagens e suas metamorfoses, tudo se une para criar uma atmosfera do imaginário que nos transporta ao passado, mas que se pode viver no presente e guardar para ansiar e construir um futuro, porque ainda há pessoas que ousam sonhar e viver um outro mundo.
Não tenho dúvidas, encantou a criança que continua a viver dentro de mim.
Excertos de uma entrevista a Jean-Baptiste Thierrée, numa brochura da Culturgest:
"Neste ambiente onde nasci, absolutamente nada me destinava ao mundo do espectáculo! Com catorze anos, um teste de orientação profissional envia-me para uma tipografia! (...) Uma cerimónia escabrosa - asquerosa - por que me fizeram passar por ser caloiro, mudou brutalmente o meu destino... Humilhado, furioso, parti a cara ao meu chefe de oficina e fui imedaitamente despedido. (...) Estava muito chateado porque não sabia como dizer aos meus pais que tinha sido despedido. Ao passar pelo Théâtre de la Porte Saint-Martin, li um anúncio: o teatro procura um ponto. Candidatei-me, mas disseram-me que era muito novo. Fui-me embora com as mãos a abanar mas deixando, apesar de tudo, a minha morada. Nessa mesma tarde vieram procurar-me: tinha sido o único a responder ao anúncio. No dia seguinte descobri um novo Universo. (...) Depressa me cansei de ser actor. Quando a minha carreira no teatro e no cinema começava a afirmar-se, acabei com ela abruptamente e decidi fundar uma companhia. Criei cinco espectáculos em três anos.

Em Maio de 1968 fiz a minha própria revolução e mergulhei de cabeça no que então se chamava de «acontecimentos». As minhas façanhas irrisórias levaram-me mesmo à prisão - mas apenas por um dia, para dizer a verdade... Maio acabou e senti-me idiota, tonto, vazio. Eu, filho de operário, tomo cosnciência de que me tinha desencaminhado para o mundo burguês do teatro, quando o meu lugar não era esse. Tive então uma iluminação: o circo! Que me atraía desde a infância. Metia na cabeça que tinha que agir ideologicamente, abalando esse dinossauro. Ora, naquela altura, o circo era um mundo muito fechado sobre si próprio. Para me introduzir nesse mundo decidi propor-me como artista. Construí um número burlesco mudo, com uma nítida tendência surrealista, que propus a cabarets. Fiz uma audição em L'écluse onde me contrataram por um salário irrisório, comparado com o que ganhava no teatro e no cinema. Mas estava feliz. Aproximava-me do meu novo sonho. (...)

Durante uma gala num hospital psiquiátrico onde eu estava a apresentar o meu número, tive um encontro que se veio a revelar decisivo na minha vida, com Félix Guattari, psicanalista e co-director da clínica de La Borde. Guattari estava então a desenvolver uma nova aproximação aos distúrbios mentais, advogando a abertura dos asilos ao mundo exterior e defendendo a liberdade do paciente. Em La Borde, por exemplo, organizava todo o género de actividades para os pacientes e determinou que não deveria haver nenhuma diferença, na forma de vestir, entre eles e quem os tratava... O que era totalmente novo. Enquanto guardava o meu material de magia, ele propôs-me que viesse todas as semanas a La Borde trabalhar com os internados... O meu investimento na clínica era, para ele, uma forma de agitar a instituição e procurar novas ideias. (...) O meu encontro com Guattari foi para mim verdadeiramente subversivo, bem mais libertador do que o Maio de 68. O trabalho com doentes mentais desenvolveu a minha sensibilidade à imaginação. Escutava o que eles diziam e deixava penetrar-me por aquele universo. Os meus espectáculos são muitas vezes um reflexo desses momentos, daquilo que têm de livre, de incoerente. Sem esta súbita vaga de imaginário na minha vida, sem dúvida que nunca teria feito o percurso que fiz, não teria encontrado Victoria de uma maneira tão estranha, nem criado o primeiro novo circo... La Borde e Guattari deram-me a sensação de que tudo era possível, mas de uma forma diferente. (...)

Em 1990, ano da Guerra do Golfo, criámos em Florença um novo espectáculo, Le Cirque Invisible. Passeamos com esse espectáculo desde essa altura, com a necessidade de aperfeiçoar uma coisa, mais do que fazer uma outra nova. (...) O espectáculo está sempre a evoluir. Há gavetas que tiramos ou que acrescentamos segundo os países, segundo os humores... É um trabalho que se relaciona com a alquimia, com a procura da pedra filosofal. Mas uma procura que não se leva a sério: não perdemos de vista que é, antes de tudo, um divertimento."

1 comentário:

MaryMoon disse...

Encantou a tua criança e a minha. Fê-las renascer deste Mundo tão sériamente obstinado em nos incutir responsabilidades. Neste Mundo repleto de adversidades que nos obriga a sermos adultos à força. Foi bom voltar ao tempo em que nos saem gargalhadas sinceras só de vermos parvoíces. Mas estas são originais.